16 de dezembro de 2005

O paraíso na terra

O limbo afinal não existe. Nem o inferno.
O novo papa esclarece que, afinal, não são lugares, mas estados. Por este caminho, qualquer dia ainda se atrevem a dizer que a contracepção não é pecado e que preservativo será beatificado.
Mas o papa não está a “ver”. O limbo e o inferno existem, sempre existiram: em Vila Mimosa, na Cova da Moura, nos espectáculos ambulantes de strippers, pelos Estados Unidos. Em lugares muito mais secretos, contudo ao nosso lado. É possível ir ao Inferno e ficar por lá ou, em alternativa, regressar. Poucos regressam.

Muitos inquilinos do inferno não gostam da sua casa, por isso inventam prazeres – carnais/mortais – adequados ao espaço/tempo que habitam. E vão respirando e sorrindo entre ilusões de orgasmos, snifs de coca, garrotes, muito álcool, muitos downers, muitos speeds. Alguns não querem sair do inferno. Aprendem a gostar dele. Gostar do inferno não o torna um lugar melhor.

As pessoas como eu costumam queixar-se da vida: “é um inferno”, dizemos. Mas nunca descemos a esse lugar, sabemos só de ler nos jornais, de ver as fotografias, do cinema. Nós somos os que atingiram o céu, sabemos lá porquê! Mas já percebemos que até o céu precisa de obras de renovação e conservação. Alguém devia dizer ao papa que o céu, sendo melhorzinho que o inferno, não é nada perfeito. Mete água quando chove, o aquecimento não funciona bem e o ar condicionado está sempre avariado. No inferno as infra-estruturas são frequentemente muito melhores.
O céu e o inferno existirão sempre, para sempre, aqui, contíguos. Em nenhum lugar fora da Terra. Aqui. E a missão de quem os habita será sempre a mesma. Quem vive no céu deseja melhorá-lo, acreditando que isso diminuirá o âmago do inferno. Quem vive no inferno não quer nada, só acordar vivo. Alcançar diariamente os meios para satisfazer as suas diversas necessidades de prazer. Estar-se nas tintas para o céu que não lhes calhou. Ironizá-lo. Desmerecê-lo.

Se eu tivesse nascido no inferno ou lá tivesse ido parar, fazia como os infernícolas: batia todos os dias à porta do céu para aí despejar, com um sorriso cínico, baldes do lixo mais fedorento, e gozava na cara de quem me abrisse a porta.
Eu podia ter nascido no Inferno. Eu podia ter ido lá parar pelos meus próprios pés.


Foto - Susan Meiselas, Portugal, Cova da Moura, 2004

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