25 de dezembro de 2006

O meu Natal, o Natal ao contrário

Nesta altura fala-se quanto baste em morte. Sempre nas estradas.

Fala-se muito nos sem abrigo. Poder-se-á dizer que o desprezo a que os sem abrigo são devotados é largamente compensado pelo tédio que a sua omnipresença instiga nos noticiários natalícios. O infortúnio, a mais extrema miséria, a desgraça e a loucura, ao fim ao cabo, dão um bom espectáculo (e este post é também prova disso mesmo). E sempre se organiza um jantarzinho de caridade ...

Depois há a consoada, a paz, o amor, a esperança. O menino em palhas deitado. E os presentes de Natal.

E o lixo amontoado nas ruas. O lixo de que ninguém fala. O lixo de que ninguém quer falar.

Há no entanto uma dor que é vivida por muitos nesta época, e que é frequentemente silenciada. O luto. A dor que a morte dos que amamos nos traz. E abençoados sejam os que nos ensinam a chorar os nossos mortos com alguma dignidade e sem olhar ao calendário. Não sei se o choro é redentor. Duvido que seja, mas pelo menos a mim permite-me lembrar o amor que me uniu (que me une) aos meus mortos com uma aparente dignidade.

Na minha família já houve gente que morreu de muitas maneiras. A minha avó materna morreu, há não muito tempo, após um ano em que a sua saúde se foi deteriorando. Confesso que nunca fui muito próximo da minha avó, não funcionávamos no mesmo comprimento de onda. Sei que, no fundo, não sou a melhor pessoa para prestar testemunho por ela, e se querem saber nem é coisa que me pese muito na consciência. Há coisas que me pesam bastante mais. No fundo para nós aquilo foi "o fim do percurso, que faz parte do percurso" que os padres mencionam nas missas fúnebres, sem olharem muito ao percurso de vida do defundo. Morreu tranquila "como uma velinha que se apaga" segundo testemunhas mais autorizadas do que eu.

Mas e os que morrem por intoxicação medicamentosa, num quarto de hotel, deixando uma nota ao dono do hotel e outra à família?! Para mim essa é outra história completamente diferente. É a história da vida que impõe a morte a si própria como única esperança.

É o Natal ao contrário.

Mas a morte que é trazida pela intoxicação medicamentosa não é a pior das mortes. A pior das mortes é a outra, a da loucura, a do corte com realidade, e essa, num infame Natal de há 3 anos, veio jantar connosco, na ceia de Natal. Aqui não é a vida que põe fim a si própria numa escolha que no fundo não é necessariamente indigna. Aqui é a realidade que se afasta da vida entregando-a à loucura.

Essa morte que é a loucura veio naquele Natal jantar connosco sem se fazer anunciar. Quem a teria convidado?!

Acreditem que este post, é à sua maneira, circunspecto. Releiam, por favor, as palavras que neste post dedico á minha avó. No fundo o que vos peço é que transformem esta morte que (hoje) é em tudo um inevitável passado. Que (hoje) junta em si de forma inevitável os fantasmas do natal passado, presente e futuro. No fundo o que vos peço é, dizia, que transformem esta morte na morte que nos é contada pelo fantasma do Natal futuro. E peço-vos que saiam à rua, que se preocupem com os vivos, que esqueçam os mortos porque hoje é Natal e amanhã será certamente um novo dia.

5 comentários:

amok_she disse...

Li!

Unknown disse...

Também não quero que ninguém se sinta obrigado ;)

sabine disse...

Beijos, força...

Unknown disse...

Obrigado!

Eu estou bem.

cristina disse...

Para tratar dos vivos é preciso enterrar os mortos - já dizia o Marquês - mas não é preciso esquecê-los - digo eu!...

Acredito que a lembrança possa ser dolorosa, mas o esquecimento forçado não tem de ser a única saída. Há que aprender a viver com as boas lembranças, sobrepondo-as aos poucos às más recordações. E mesmo quando é perante as coisas boas que sofremos, não são as lembranças que nos ferem, é o próprio acto de lembrar...

Não temos de esquecer... temos de educar a lembrança!...

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