31 de março de 2007


Em 2001 foram publicados pela primeira vez os resultados dos exames de acesso à Universidade em função da escola secundária frequentada. São chocantes, em particular no que diz respeito à amplitude da diferença entre as notas de frequência escolar e na prova nacional. Na disciplina de Português essa diferença varia mais de 11 valores em função da escola frequentada; em Matemática varia 10 valores.

Em média, os alunos que frequentaram a escola A obtiveram 13 valores a Português na frequência escolar e 16 valores na prova nacional; os que frequentaram a escola B obtiveram 13 valores na frequência e 5 valores na prova nacional. Em Matemática, os alunos da escola C obtiveram em média 13 valores de frequência e 13 valores na prova nacional, ao passo que os da escola D, com 15 valores de média de frequência, obtiveram 5 valores na prova final. Estes dados são factuais e relativos a escolas com mais de 15 alunos examinados: as escolas A, B, C e D são reais; só por ser totalmente inútil não dou aqui os seus nomes. Os alunos que as frequentaram são seres humanos reais, hoje perto dos 22 anos. Uns licenciados ou quase, outros não.

O que estes dados revelam é que é falsa a ilusão utópica de que o sistema educativo se auto-regula. A prática mostra precisamente o contrário. Entregue a si próprio, sem mecanismos de controlo que permitam monitorizar periodicamente o desempenho dos alunos e, indirectamente, o funcionamento do sistema, este entra em roda livre. Escolas, professores e alunos problemáticos podem passar despercebidos ao longo de todo o percurso escolar por não haver um processo externo de avaliação. Os próprios alunos mais fracos podem nem se aperceber das suas carências até ser demasiado tarde.

Tudo isto além, evidentemente, das enormes injustiças académicas quando está em causa o acesso ao Ensino Superior. Alunos de escolas medíocres, com professores que disfarçam a falta de condições ou de competência com o inflacionamento das notas ultrapassam nas candidaturas os alunos que frequentam escolas mais sérias e com professores mais exigentes. Os alunos que admitimos nas Universidades não são necessariamente os melhores; para ter “sucesso”, mais importante do que uma sólida preparação académica é frequentar uma escola de fraco nível de exigência mas generosa nas notas. Há muitos alunos (conheço dezenas de casos reais) que abandonam as escolas de elevado grau de exigência onde estão no final do 9º ano ingressando em escolas públicas conhecidas por inflacionar as notas para poder aceder ao curso que ambicionam (Medicina, por exemplo) e a que não poderão aceder alguns que optaram por ficar na mesma escola e trabalhar mais duramente.

É esta mensagem de facilitismo e de esperteza saloia que estamos a transmitir aos nossos jovens na escola: mais vale ser espertalhão do que inteligente, mais vale dar o golpe do que trabalhar. Vale fazer batota: os fins justificam os meios. E admiram-se que estes seres humanos, anos mais tarde, quando forem adultos sejam cidadãos que considerem normal a fuga aos impostos? É esta a "cidadania", como dizia o Desidério, que queremos transimitir? Seria uma boa piada, se não fosse acima de tudo tristíssimo.

Este é um dos problema central no nosso ensino. Um dos instrumentos que permite corrigi-lo é aplicado pela maioria dos nossos parceiros europeus: são os exames nacionais, com consequências, no final de cada ciclo de ensino. Mas a intelligentsia da Educação Nacional, até há bem poucos anos, queria acabar com os exames do... 12º ano! Nas palavras de um ex-ministro da Educação, "salvei-os porque disse que me demitia". Espantoso!
E há outro aspecto ainda de que as pessoas raramente se apercebem: sem exames nacionais os próprios autores de manuais não se sentem na obrigação de cumprir os programas, porque sabem que os professores não ligam muito a esse pormenor sem importância. No caso dos manuais de filosofia, que são os que conheço bem, entrou um novo programa em vigor em 2001. Contudo, os manuais para esse novo programa são muitíssimo mais parecidos aos manuais antigos do que ao novo programa. Claro, se os próprios professores não ligam ao programa, para que raio irão os autores perder tempo a mudar os manuais para cumprir cuidadosamente o programa? Escrever um manual dá muito trabalho.

Sem exames nacionais um professor pode leccionar apenas o que lhe apetece, e portanto não sente qualquer pressão para escolher manuais que cumpram o programa. Na maior parte dos casos, o professor nem sequer conhece o programa, precisamente porque toda a avaliação é interna. Pode passar o ano a falar de colmeias neo-zelandesas e depois avalia os estudantes como lhe apetecer. E o problema é que os professores e as escolas verdadeiramente bons, que são exigentes e cumprem os programas, não têm qualquer estímulo para o fazer — e até tendem a perder alunos.
Desidério Murcho

Na verdade eu só pu bliquei o post do Jorge Buescu e o comentário do Desidério Murcho para mostrar as belas cábulas que ilustram este post.

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