A idade da inocência
(texto da autoria de Francisco "Paradoxo" Bairrão)
Creio que a minha acabou, completa e pura - agora só inocências, não mais Inocência - quando arruinei uma das minhas certezas mais antigas.
Esse dia, que não consigo precisar, mas que existe em mim como um dia definido e claro, foi aquele em que descobri ser mentira podermos continuar de bem com o Outro, para lá do momento em que deixamos de querer estar com ele.
Tinha até esse dia a ideia - que hoje percebo pueril e estúpida - de que as pessoas que se odiavam, que se deixavam de falar, que se estranhavam - tinham razões para isso. Tinham feito mal uma à outra, ou uma a outra; tinham(-se) traído, tinham sido cruéis, tinha, enfim, praticado o Mal. E, então, luminosamente - mas uma luz coada, basilical - descobri que isso era mentira. O problema não estava no Mal - que, aliás, dificilmente surge nas humanas questões, aí só pequenos males - estava no equilíbrio, no vazio.
Se o Eros grego é a mais bela invenção (revelação?), enquanto Deus-Fiel autogerado, é ele que explica que seja impossível manter o estado de coisas, a bondade, quando com as nossas decisões alteramos o equilíbrio (que ajudámos a formar) e provocamos o vazio. Estas conclusões levaram-me a uma conclusão final:
a partir do momento que nos envolvemos com alguém está lançada a semente do fim. Deal with it. Não há caminho de regresso. Será tanto pior quanto mais tempo passar e mais se viver e partilhar. E pode haver excepções. But make no mistake, não é possível prosseguir incólume.
Mas este não foi o momento decisivo da minha mácula. O que realmente me deixou de rastos foi perceber que havia quem não se incomodasse com isso. Pelo menos, não da mesma forma, dilacerante, com que até hoje esta questão me perturba.
Amigos tenho que explicam o que acabei de dizer com uma limpidez e uma serenidade incrível. Explicam que quando temos de partir, se é isso que sentimos ter que fazer, e que fazemos de forma honesta, não podemos arcar com o sofrimento do Outro. Porque é disso que se trata. Ninguém me tinha dito que mesmo que não fizessemos mal a ninguém, que apenas quisessemos prosseguir a nossa vida de forma díspare, seríamos culpados pelo sofrimento de alguém. E, de uma só penada, descubro que isso não é verdade; e que há gente que não sente essa culpa.
Direi isto: sempre que nos envolvemos com alguém há uma promessa ímplicita, velada. Potencial. Podemos negá-la. Podemos acordar na sua não existência. Podemos fugir dela. Mas ela não deixará, por nenhum destes expedientes, de existir, se assim tiver de ser. E aqui o ser é o sentimento. Por vezes esquecemo-nos disso, que as coisas existem mesmo quando são imateriais, mesmo quando vão contra a razão. Mesmo - sobretudo - quando são emoções.
Como lidar com isto? Em face do quadro que pintei pareceria haver uma única solução, uma única máxima: não me dar com ninguém, não magoar ninguém. Já estive mais longe de pensar que a dimensão drástica, trágica e lírica supera largamente a dimensão sensata e higiénica desta opção.
Outra solução possível seria tentar ser como aqueles que mencionei em cima. Conseguir não sentir que mesmo as decisões que a mim me parecem correctas, necessárias, honestas são geradoras de dor que nunca pretendemos. Se isto é possível estou longe de descobrir como se faz.
A verdade é que estou longe de descobrir como se resolve este dilema. Este texto não era sobre a resolução do problema. Era sobre a sua origem e as suas manifestações.

2 comentários:
Não há soluções para o problema e todos chegamos rápidamente aquele momento em que "Já não dá para sair disto sem dor..."
Mas não se chora antecipadamente a morte de algo que ainda não morreu, que ainda não terminou e que ainda tem potencial a explorar...
Hoje eu sei que estou feliz nos braços dele, que é com ele que quero estar e é com ele que quero construir os meus amanhas... basta saber isso. Tenho consciência que o amanha não está garantido, que entre nós as coisas que hoje são sólidas, amanha podem não dar certo... mas isso é faz parte de um amanha que ainda não lá cheguei. Apenas hoje e agora é que interessa, e hoje e agora vou dar tudo que tenho para dar.
O teu melhor texto sem dúvida!!!
Parabéns :)
Sunshine:
O texto não é meu. Segue o link, donde este veio há mais deste calibre ...
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