Blogues e diarios
Reproduzo em seguida um texto do Pedro Mexia sobre blogues e diarios não tanto pela sua opinião sobre o Abrupto (com que concordo) mas mais pelas ideias que expõe sobre os blogues.
"O meu post sobre o Abrupto gerou algumas reacções na blogosfera. Gostava de destacar duas.
Mas faço um ponto prévio: tenho consideração intelectual por José Pacheco Pereira, leio os seus artigos e os seus livros. Porém, não gosto do seu blogue. A coisa é tão simples como isto: eu, fulano de tal, não gosto do Abrupto. É uma pura opinião, [...] É lamentável que a opinião postiva sobre o Abrupto seja vista como «servilismo» e «graxismo» e que a opinião negativa se veja reduzida ao «rancor» e a uma incontida «inveja». [...]
Retomo então duas críticas ao meu texto, porque tocam temas que me interessam muitíssimo. O tema da subjectividade e o tema da escrita diarística.
O Ma-Schamba fica surpreendido com a minha aproximação entre blogues e diários. Mas eu não disse nada de original ou ousado nessa matéria. Os blogues são diários porque isso está inscrito no seu próprio nome (web log) e sobretudo porque têm uma estrutura (datada e com tema livre) que se aproxima mais da notação diarística de que do artigo ou do ensaio. Se existe um mecanismo que permite que cada um escreva sobre o que entender, sempre que entender, com o registo que entender e sem preocupações de protocolos, então parece que o que conhecemos como «diário» é o que mais se aproxima do blogue. [...] Com a excepção dos diários íntimos, que não se destinam a publicação, os diários têm alguns traços comuns, e os blogues reproduzem esses traços.
Claro que há blogues de ensaio, de ficção, de poesia, de fotografia, e que alguns funcionam como uma espécie de jornal de parede, com artigos sucessivos. Mas isso não tem nada de específico. A especificidade do blogue é a possibilidade de ter online um registo permanente sobre cinema, arquitectura, política, o que cada um quiser, e predominantemente com um tom pessoal e um tamanho breve. Esse é o cunho do diário. A aproximação é evidente. Não vale para todos os blogues, mas vale claramente para a grande maioria.
Segunda crítica: o Tulius lembra que Pacheco é de outra geração, que é uma figura pública, que tem um estilo «ortodoxo,cerebral e frio» e que, por isso, não pode jogar «com as mesmas regras que a arraia-miúda». Isto (tirando a última frase) é incontestável. Mas o Tulius treslê quando se refere, uma vez mais, à «confessionalidade» (que segundo ele é excessiva na blogosfera). A objecção parte de um entendimento erróneo do diário (e do blogue). O bloguista vê no género diarístico uma confissão íntima. Mas muitos diários, nomeadamente literários, estão longe de qualquer intimidade. Para cada Pavese (intimista) há muitos Jünger (olímpico). Os diários são muitas vezes apenas cadernos de impressões e ideias, agendas desenvolvidas, comentários dispersos. Só praticamente os diários póstumos é que têm uma componente íntima. Assim como se confunde subjectividade com confessionalidade (um equívoco que muito me aborrece), também se toma o registo diarístico como um exposição sem entraves dos aspectos mais pessoais da vida de cada um. Claro que um blogue não é um diário literário, mas transporta traços evidentes desse género. E é essencialmente como diário que o blogue me interessa.
Ninguém exige pormenores sobre assuntos privados, nem a conhecidos nem a desconhecidos. Mais: ninguém exige coisa nenhuma. Apenas escrevi que gosto de blogues que reflictam uma personalidade (como, entre outros, A Causa Foi Modificada, Bomba Inteligente, Educação Sentimental, Rua da Judiaria, Tue Lies, Voz do Deserto).
Mas, repito, não me interessa conhecer a vida privada dos bloguistas. Apenas a sua mundividência. Em dois anos de blogosfera, tenho escrito posts pessoalíssimos, mas não discorro sobre assuntos concretos que só me dizem respeito a mim. Ou, se o faço, é de forma tão alusiva que mesmo as pessoas a quem o post diz respeito geralmente não percebem (quanto mais os terceiros). O pessoal não é sinónimo do privado.
Gostava de sublinhar, com marcador fosforescente, isto: cada um escreve o que quiser no seu blogue. Mas eu, sublinhem também, gosto de quem escreve de modo a que se note uma personalidade, porque é isso que me interessa na escrita (de blogues, de jornais, de literatura). Não sou de todo um presencista, mas aceito essa doutrina de Régio: a escrita vale pela afirmação de uma personalidade. Uma personalidade que, como tenho escrito vezes sem conta, é uma instância sobretudo textual, que pode não ter nada a ver com a pessoa civil.
Se quiserem, a principal diferença está nisto: eu tenho interesse nos blogues como género literário. Leio os blogues políticos, os blogues académicos, mas esses textos apenas prolongam outros textos, semelhantes, que conheço na imprensa e em ensaios. Enquanto que o blogue como diário representa, no espaço público, um género muito escasso [...].
A subjectividade (a minha mais veemente bíblia) é o contrário de uma lei. Eu tenho uma determinada maneira de ver o mundo. E para essa maneira de ver o mundo determinado blogue (por exemplo o Abrupto) não tem interesse. Isso não significa que o Abrupto seja objectivamente desinteressante. Se é muito mais conhecido e estimado do que quase todos os outros blogues (incluindo este), significa que há muitas pessoas que o apreciam. Estão no seu direito. Têm as suas razões. Simplesmente, esse não é o meu caso. Mas não quero convencer ninguém disso."Pedro Mexia

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