3 de setembro de 2005

As normas esquecidas

(por lopo)


O Direito é das coisas mais fascinantes que existe. A sua vontade de ordenar os comportamentos sociais do ser humano uma das mais belas vontades da existência. Ao contrário da moral o Direito, mesmo quando a ela foi permeável, está-se nas tintas para a motivação do Homem. O Direito quer que as coisas fluam. Isto é, quer que existam justiça e segurança. Binómio terrível e paradoxal, pois é ele o único capaz de permitir e garantir a liberdade.

Pode, pois, fazer-se uma ideia do que passará pela cabeça dos juristas que têm de criar normas, proferir decisões, dirimir litígios, com base no Direito. A criação e aplicação do Direito muito mais do que a ciência, cuja natureza alguns defendem, é uma arte. Uma arte de equilíbrio, de ponderação, de prudência. Ergo verbum: jurisprudentia.

O Direito não se preocupa com o meu desejo de matar. Apenas se o pretendo concretizar, atingindo o outro. É nesse momento que o meu desejo criminoso se torna um acto social. O Direito não pune crimes imaginários, que a moral, severamente, condena.

O jurista é um artesão. Uma boa norma contém a filigrana dulcíssima só permitida às obras-primas. E que obra-prima: uma norma boa, justa e segura permite-me existir como ser social; permite-me a liberdade sem receios de ferir a liberdade dos outros.

Claro que tudo isto passa ao lado do cidadão comum. Para este, habituado aos esterótipos negros do mundo jurídico - advogados ladrões, juizes corruptos, justiça lenta e ineficaz - o Direito é o Mal. Ou, talvez pior, o Direito é algo que só é recordado quando o atinge directamente. Nessa altura o cidadão comum perde a sua sensatez e racionalidade, se alguma vez a teve, e não pára para pensar em nada disto que acabei de escrever, são apenas os estereótipos que dominam: o Direito é mau, são todos uns vigaristas, isto fica sempre para os mesmos, querem é tramar-me. Ora o problema, em Portugal, não é o Direito ser mau, é ser aplicado de menos.

É que o cidadão comum não confia no Direito, nem tem tempo ou formação para substituir a sua confiança por conhecimento: ele não consegue perceber, por exemplo, porque diabos há-de haver uma norma restringindo direitos fundamentais para os militares. Especialmente se for militar e lhe tiverem acabado de lixar a reforma. No entanto, se há normas que merecia, à semelhança de tantas e tantas obras de arte, melhor consideração e atenção, são as normas constitucionais. Essas, se mais convocadas e melhor aplicadas, até podia fazer alguma coisa pelo país. Mas o problema é outro. É que o Direito e as suas normas só ordenam a vida em sociedade de duas maneiras. Ou uma elite impõe o direito à populaça (e não precisamos de estar para aqui a discutir se ele é justo ou injusto); ou uma elite cria o direito interpretando o desejo de ordenação da população. Em Portugal isto é complicado, pois não se sabe querer ser ordenado nem se pretende aprender. Salvo honrosas excepções.

(as marcações a bold são minhas)

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