14 de setembro de 2005

Ciência e Arte

(Um post do Rui Fernades sobre Ciência e Arte ou falta delas ...)

Um aspecto que não é muitas vezes citado mas que é fundamental para compreender a parafernália esquizofrêncica que se critica nas ditas ciências sociais, ou melhor, em parte delas, é a mistura de discursos artísticos com discursos científicos. Talvez se justifique isso com base em mais um novo paradigma, onde a ciência se humaniza e se faz permeável a formas "mais flexíveis" de pensamento...

[Em seguida Rui Fernades cita Eduardo Prado Coelho:]

"É pena, repito. Porque o diálogo é possível - e desejável. Pessoalmente, não partilho a distinção entre ciência moderna e ciência pós-moderna de Boaventura Sousa Santos (parece-me uma perigosa versão de uma "ciência burguesa-ciência proletária"), não creio que existam a priori paradigmas em ciência a não ser que se convertam em programas de investigação (não no sentido de Lakatos), e não vejo vantagem em estabelecer regras paradigmáticas a orientar o trabalho científico.

Por outro lado, não acho útil que se enfraqueçam noções de tipo realista, e defendo sobretudo uma concepção da racionalidade que jogue na complementaridade possível (e, por vezes, impossível, sublinho) das diversas racionalidades - um pouco como propõe Stephen Toulmin nesse notável trabalho que é "Return to Reason" (Harvard University Press, 2001).
" [fim de ditação]


Aqui estamos "uma concepção da racionalidade que jogue na complementaridade possível (e, por vezes, impossível, sublinho) das diversas racionalidades..." Não termina de especificar onde é possível e onde é impossível, e isso é importante. Julgo não me equivocar se digo que EPC defende o direito de um discurso científico que não queira ser permeável a discursos de tipo artístico, místico, ou outros, para a Física, a Química e a Biologia, e isto é um avanço em relação a outros autores. O que descortino quer EPC é reservar o direito a si e aos seus colegas de utilizar um jargão científico nos seus textos, em geral de interpretação da arte, e em misturar principios científicos e explícitamente artísticos, ou de outra espécie, na definição do seu "método científico". Aqui jogamos no campo do que se considera ciência e do que consideramos métodos e formulações teóricas passíveis de serem consideradas científicas. E jogamos acima de tudo com uma tentativa de definição que permita utilizar a valorização que se busca na palavra "ciência" em determinados tipos de trabalhos.

O director de cinema americano John Ford haveria dito que se "a lenda é mais interessante que a verdade devemos ficar com a lenda". Para um cineasta, um artista, isto é perfeitamente válido e determina a diferenciação absoluta que separa arte de ciência. Em ciência a verdade é fundamental, em arte [...] somente a beleza é fundamental. Porém o tempo e o dinheiro disponível ao homem moderno é tamanho, que é possível dedicar-se a zonas intermédias: ciências da arte, artes da ciência, ciências da ciência da arte, etc. [...]

Seguramente uma arte das ciências nunca tenha realmente existido e o que haja é arte pura e dura que se inspira em teorias científicas ou na história da ciência. Agora a ciência das artes... provavelmente os artistas concordarão mais facilmente comigo, do que os cientistas de artistas, quando diga que se trata de um ofício suspeito... Mas somente se trataria de uma brincadeira, pois considero que existem contribuições naquilo que se designam por "ciências das artes" que são válidas e interessantes para todos aqueles a quem lhes interessem as artes. O que se designou toda a vida por crítica artística e que também toda a vida foi um ofício suspeito... O problema está, de facto, no uso da palavra ciência. [...]

O problema último é a forma como estas "ciências das artes" se promiscuem com as pseudo-ciências e com as filosofias escolásticas modernas, fazendo-as suas irmãs. É isto que obriga a incluir muitos discursos da área de EPC no pensamento pós-moderno actual que há de ser criticado. Porque eles, consciente ou inconscientemente, querem ter todos os títulos compostos possíveis, e utilizar todos os tipos de discurso possíveis, mesmo que auto-excluentes, de maneira a lhes granjear o máximo respeito entre seus correspondentes colegas. O defeito final é o mesmo: uma forma de pensar o mundo que busca fazer dele mais complexo e ininteligível do que ele alguma vez foi. O oposto de ciência portanto.

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